Uma das responsabilidades dos pais é estabelecer limites para os filhos. Durante a infância e adolescência, essa difícil tarefa representa a maior parte do que chamamos educação. Isto é feito por necessidade e até mesmo por medo. Ensinamos, desde cedo, que o filho não deve ir longe, porque os perigos são muitos. Não há como condenar tais atitudes dos educadores, pois muitas dessas orientações são pertinentes e indispensáveis. Ninguém pode viver sem limites. Entretanto, o que se observa, na idade adulta, é que as pessoas tornaram-se limitadas demais e precisam de estímulos para saírem do lugar.
É como a história daquele elefante de circo que foi amarrado a uma estaca quando era filhote. Puxou, debateu-se, feriu-se, mas não conseguiu se soltar. Finalmente, desistiu de tentar e, mesmo depois de adulto, a pequena estaca continua sendo suficiente para prendê-lo, ainda que a força do animal seja muito maior do que era no princípio. De fato, como disse o domador, ele desconhece sua capacidade. Nisto consiste a essência dos condicionamentos.
Um bom exemplo de determinação e progresso foi o do profeta Eliseu. Enquanto acompanhava Elias, ele foi aconselhado a ficar em alguma das cidades por onde passavam. Contudo, o discípulo estava determinado a continuar seguindo seu mestre. Por causa de sua perseverança, testemunhou o arrebatamento de Elias e recebeu porção dobrada do Espírito (2 Rs 2.1-15). Ficar no meio do caminho seria uma forma de limitar suas experiências e seu ministério. Semelhantemente, os discípulos que perseveraram em seguir a Cristo também testemunharam sua subida ao céu e receberam o Espírito Santo.
Isto nos faz pensar também na visão de Ezequiel (47.1-12), na qual o profeta foi conduzido ao rio que saía do templo. Não lhe seria suficiente contemplá-lo de longe ou permanecer às suas margens. Ele deveria entrar nas águas, deixar-se envolver e avançar dentro delas, alcançando profundidades cada vez maiores, até que precisasse nadar, por não ser possível prosseguir andando. Isto é ultrapassar os limites da razão e viver pela fé. É ir além das situações controláveis, confortáveis e previsíveis, mas sempre em obediência ao Senhor. Este é o desejo de Deus para nós. Precisamos ir mais longe nas nossas experiências com ele.
Lendo os evangelhos, percebemos que Jesus vivia rompendo limites. Ele foi além daquilo que dele se esperava, superando as tradições religiosas e a lei mosaica.
Cristo rompeu limites quando, aos 12 anos, discutiu com os doutores da lei (Lc 2.46). Contrariou as expectativas de todos, quando, ao invés de continuar no ofício de José, tornou-se pregador e Mestre (Mc 6.3). Foi além ao anunciar uma mensagem diferente dos rabinos de sua época. Escandalizou os discípulos, indo à cruz. Venceu o limite da morte, quando ressuscitou e subiu ao céu. Ele fez tudo isso sem pecar, sem ultrapassar a vontade do Pai. Este era seu único parâmetro.
Quando falamos a respeito das realizações de Jesus, algumas pessoas argumentam que ele fez tudo aquilo porque era Deus e nós, como meros humanos, não podemos imitá-lo. Entretanto, Cristo, além de romper limites, viveu ensinando os discípulos a fazerem o mesmo. Eles não morreriam na cruz para salvar o mundo, mas fariam obras semelhantes às que Jesus fez e outras maiores (João 14.12). Não estamos falando de ultrapassar os limites éticos que regem as nossas vidas (nem o limite do cheque especial ou do cartão de crédito) (nem o limite de velocidade no trânsito), mas de romper limitações desnecessárias, verdadeiras barreiras que impedem o nosso crescimento.
Quando Pedro perguntou se deveria perdoar seu irmão sete vezes, talvez pensando que seria grande virtude, Jesus disse que o perdão deveria ser concedido setenta vezes sete (MT 18.21-22). Essa passagem deve conduzir-nos à reflexão. A matemática de Jesus é diferente da nossa. O resultado que ele propõe é muito maior. Pedro propôs um número apenas. O Mestre acrescentou mais um para multiplicá-lo. Não sei se Pedro conseguiu fazer as contas, mas deve ter ficado surpreso com a resposta. O homem sem Jesus vai, talvez, até o número sete. Com Jesus podemos ir, se quisermos, aos 490, 4900 etc.
Fazemos pouco e achamos que é suficiente. Queremos ir até determinado ponto, mas Jesus quer nos levar além. Estamos satisfeitos com o que já realizamos, mas o Senhor deseja que façamos muito mais. Foi isso que ele mostrou aos discípulos, quando afirmou que a justiça deles deveria superar a dos escribas e fariseus (Mt 5.20). Podemos fazer um pouco mais (ou muito mais). Não devemos parar onde estamos, pois corremos o risco do retrocesso. Precisamos ir além dos limites que nós mesmos criamos, ou criaram para nós, e que agora servem para restringir nossa experiência espiritual.
Estamos limitados em nossas iniciativas de oração, jejum, leitura bíblica, estudo, evangelização e comunhão? Somos “econômicos” como Pedro? Tudo o que fazemos para Deus representa sementes que espalhamos.
“Mas digo isto: Aquele que semeia pouco, pouco também ceifará; e aquele que semeia em abundância, em abundância também ceifará.” (2Co 9.6).
Os resultados que obtemos em nossa vida espiritual são diretamente proporcionais aos limites que estabelecemos. A fonte é inesgotável, mas os nossos recipientes são muito pequenos.
Abraão sofria por não ter filhos e sonhava em ter apenas um. Então, Deus lhe disse: “Olha agora para o céu, e conta as estrelas, se as podes contar; e acrescentou-lhe: Assim será a tua descendência” (Gn 15.5). Precisamos olhar para cima e começar a perceber a grandeza do Deus a quem nós servimos.
Jesus ensinou, no sermão da montanha, o rompimento de muitos limites, de modo que os discípulos deveriam obedecer não apenas aos requisitos mínimos estabelecidos por Moisés, mas ir além, no sentido de agradarem a Deus de forma mais completa. Assim, além de não adulterarem, evitariam a má intenção e o olhar impuro (Mt 5.27-28). Além de não matarem, evitariam o ódio e as ofensas verbais (Mt 5.21-22). A obediência à lei seria pouco diante dos propósitos de Cristo.
“A qualquer que te bater na face direita, oferece-lhe também a outra; e ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa; e, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas” (Mt.5.39-41).
Talvez pensemos em rompimento de limites como uma atitude de conquistas cada vez maiores. Está certo, mas existe também o aspecto de renúncias cada vez maiores, de acordo com o propósito de Deus e a experiência individual. Afinal, quem avança, deixa muitas coisas para trás. Renúncias e conquistas sempre estão ligadas. Não podemos ter o Egito e Canaã ao mesmo tempo.
Fazer apenas aquilo a que somos obrigados é pouco. Jesus disse que o servo que só faz o que foi mandado é inútil (Lc 17.10). Cumprir apenas a exigência e o costume é pouco. Precisamos ir além, no sentido de sermos melhores do que somos, vivendo como o atleta que sempre busca ultrapassar seu próprio recorde.
Desconfio que a vida cristã de muitas pessoas possa ser comparada a uma receita de bolo: uma colher de oração, duas xícaras de leitura bíblica, uma pitada de fé, um culto por semana, uma ceia por mês. Penso que estamos sendo econômicos demais, quando não deveríamos ser.
Criamos muitas restrições: Vou ao culto, mas não ao monte. Evangelizo na praça, mas não entro em hospitais. Leio os salmos, mas não leio Apocalipse. Oro por enfermos, mas não expulso demônios. Assim, evitamos o conhecimento e maiores experiências com Deus. Não estamos tratando de obrigações, mas de ir além delas.
O apóstolo Paulo também queria que os irmãos fossem além do que já haviam conquistado. Nesse sentido, escreveu aos coríntios: “O que fala em língua, ore para que a possa interpretar” (1Co 14.13). É preciso avançar.
Nenhum de nós poderá fazer tudo sozinho, pois os membros do corpo são muitos e cada um tem sua função. Entretanto podemos fazer mais, dentro da nossa área de atuação. Os mais dedicados e versáteis serão como as mãos, que podem fazer inúmeras coisas. Os mais especializados serão como os olhos, que fazem uma coisa só, mas que o façam com excelência.
Em suas últimas palavras aos discípulos, Jesus os estimulou novamente ao rompimento dos limites ao dizer:
“Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra”. (At 1.8).
O projeto de Cristo é ambicioso (no bom sentido). Se somos seus discípulos, precisamos acompanhá-lo, rompendo fronteiras e barreiras para levar a muitos a boa palavra de Deus.
“Ora, àquele que é poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos, segundo o poder que em nós opera, a esse seja glória na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre. Amém” (Ef 3.20-21)
::Anísio Renato de Andrade
Bacharel em Teologia
http://www.anisiorenato.com/
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